photo by <Nuno G.
Quando começa uma pessoa a nascer? Quando começa a morrer? Será que começa a morrer antes de ter nascido por inteiro? Sentado numa cadeira de praia interrogo o pé que desenha na areia quente uma âncora. E depois a âncora desenha um coração. E depois o coração desenha uma janela. Levanta-se da cadeira, aproxima-se da janela, debruça-se, dá um impulso ao corpo magoado e cai. Só o vento o acompanha, Está ainda a nascer? Ou começou agora? […]
Eduardo Prado Coelho e Ana Calhau
in
Dia por ama, Texto editora
quinta-feira, dezembro 30, 2010
# 47 Poemagem
quinta-feira, dezembro 23, 2010
# 46 Poemagem
by Leva Jansone
Palavras
Senta-te ainda à mesa - escreves
palavras tão compactas, tão opacas
como a luz que te cega. Cada dia
promete o infinito em meia dúzia
de palavras - o amor,
a vida, o tempo, a morte, a esperança,
o coração. Repete-as,
repete-as muitas vezes em voz alta
e escuta a sua música
até não quererem dizer nada.
Fernando Pinto do Amaral
in
Poemas Escolhidos
sexta-feira, dezembro 17, 2010
# 45 Poemagem

photo by Jacinta Moore
de milhares de sossegos acordados,
da subida do teu rosto atrás dos ombros,
da mão ardente, da vista da sacada
nada sei.
Ponho palavras como coisas feitas:
só entre elas, enquanto jogam, leves,
seu rodado sem cor nem qualidades,
minha ciência existe, e já não minha,
ou só tão minha como tua e delas,
ar entre os dedos, sumo de verdades.
Pedro Tamen
in
O Aparelho Circulatório
quinta-feira, dezembro 09, 2010
# 44 Poemagem
Verão de Água
Verão de água
ao sul de uma praia
convexo na boca
um pássaro de viagem
semelhante
ambíguo
de se reter nos
braços
animal de areia
a pernoitar nas algas
Maria Teresa Horta
in
Verão Coincidente
quarta-feira, dezembro 08, 2010
C.I.D.A.D.E.
dá-me tudo
tu,
que conheces o meu pesar...
photo by me@_Porto
quinta-feira, dezembro 02, 2010
# 43 Poemagem

Photo by Loraine@grijs
p
.
Que significa “cativar”?
-Tu não deves ser daqui, disse a raposa. Que procuras?
-Procuro homens, disse o principezinho. Que significa “cativar”?
-Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho. Ando à procura de amigos. Que significa cativar?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa “criar laços”..
Antoine de Saint-Exupéry
in
O Principezinho
domingo, novembro 28, 2010
sexta-feira, novembro 26, 2010
# 42 Poemagem
photo by Adriana O.
[…]
Agora é a tua ausência que se ri de mim no silêncio da minha casa. Quando tu vivias, podias sempre voltar. Existias em suspenso sobre os dias em que nos afastávamos. Respiravas algures na mesma cidade. Encontrar-nos-íamos no acaso duma tarde, num recanto de jardim, diante de uma natureza morta da tua Josefa de Óbidos. Às vezes saía à tua procura nos bares que dantes frequentávamos. E voltava para casa com a certeza d que o céu estudaria a hora e a luz precisas desse encontro.
[…]
Inês Pedrosa,
in
Fazes-me falta
sábado, novembro 20, 2010
# 41 Poemagem
Gozo os campos sem reparar neles
Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas idéias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma cousa dos ruídos indistintos das cousas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas órbitas,
E só um resto de vida ouve.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos",
Obra Poética de Fernando Pessoa
quinta-feira, novembro 11, 2010
# 40 Poemagem

photo by NunoG.
Antes do começo
Antes do nenúfar da origem
Antes da hélice dos tufões ciclópicos
Antes do escancarar da sombra a vazar-se
Antes do golpe de gongue no tímpano do dia
Antes da dança dos fosfenos no nada
Antes
Do inimaginável repouso da energia
No não figuradp o rarescente o denso
Na involução do Ser que não existe
No germe cujo nada é o princípio
Na semente cujo fruto é o nada
Ela dorme
Antes do começo
Antes do nenúfar da origem
Antes da hélice dos tufões ciclópicos
Antes do escancarar da sombra a vazar-se
Antes do golpe de gongue no tímpano do dia
Antes da dança dos fosfenos no nada
Antes
Do inimaginável repouso da energia
No não figurado o rarescente o denso
Na involução do Ser que não existe
No germe cujo nada é o princípio
Na semente cujo fruto é o nada
Ela dorme
Ernesto Sampaio
in
Fernanda
segunda-feira, novembro 08, 2010
# 39 Poemagem
Esquece-te de Mim, Amor
Esquece-te de mim, Amor,
das delícias que vivemos
na penumbra daquela casa,
Esquece-te.
Faz por esquecer
o momento em que chegámos,
assim como eu esqueço
que partiste,
mal chegámos,
para te esqueceres de mim,
esquecido já
de alguma vez
termos chegado.
António Mega Ferreira,
in
Os Princípios do Fim
quinta-feira, outubro 28, 2010
# 38 Poemagem
Vem dos montes friíssimos da Noruega
onde te sonhei para beberes estrelas
e caminhar a custo entre as cascatas
onde a ternura é um escadote
e o ar um caracol de planetas nas órbitas.
António Maria Lisboa
quinta-feira, outubro 21, 2010
# 37 Poemagem
Peço a Paz
Peço a paz
e o silêncio
A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento
Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão
Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte
A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol
Peço a paz e o
silêncio
Casimiro de Brito
in
Jardins de Guerra
quinta-feira, outubro 14, 2010
# 36 Poemagem
"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade... sei lá de quê!"
Florbela Espanca
quinta-feira, outubro 07, 2010
# 35 Poemagem
De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem
Natália Correia
quinta-feira, setembro 30, 2010
# 34 Poemagem
photo by Liliroze
Espaço interior
quando o poema
são restos do naufrágio
do espaço interior
numa furtiva luz
desesperada,
resvalando até
à superfície,
lisa, firme, compacta,
das coisas que todos
os dias agarramos,
quando
o poema as envolve
numa aura verbal
e se incorpora nelas,
ou são elas a impor-lhe
a sua metafísica
e o espaço exterior
que povoam de
temporalidades eriçadas,
luzes cruas, sons ínfimos, poeiras.
Vasco Graça Moura
quinta-feira, setembro 23, 2010
# 33 Poemagem
Kumi Yamashita
Gabriel Garcia Marquez
in
Amor nos tempos de Cólera
quinta-feira, setembro 16, 2010
# 32 Poemagem
quinta-feira, setembro 09, 2010
quinta-feira, setembro 02, 2010
30 # Poemagem
photo by Leda Cruz
TELEGRAMA
a flor que és não a que dás
eu quero
porque me negas o que te não peço
tempo há para negares depois de teres dado
flor sê-me flor
Pedro Paixão
in
O mundo é tudo o que acontece
sexta-feira, agosto 27, 2010
29 # Poemagem
Photo by Louis Stettner
Ç
Uma cidade
Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
acesso
numa noite
de Junho
Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.
Albano Martins
quarta-feira, agosto 25, 2010
Pedro Paixão
in
O mundo é tudo o que acontece
quinta-feira, agosto 19, 2010
# 27 Poemagem

photo by Simon Wong
Magia
Às vezes parava o tempo
como um levita esquecido
na comunhão.
Parava-o, e ficava atento,
a ver a cor do milagre
a desmaiar-lhe na mão.
Era só erguer a pena
dum verso já começado,
dobrar a ponta da antena
no telhado.
Parava o tempo, e parava
o movimento de tudo;
o povo ficava mudo,
a beleza por cantar;
era um mundo que lembrava
um verso por acabar.
Miguel Torga
sexta-feira, agosto 13, 2010
# 26 Poemagem

photo by Hoy Joy
Variações Goldberg com chuva
Quando estamos sozinhos, as coisas contempladas em silêncio deixam-nos nus. Despem-nos de todas as desculpas e distracções que haviam de proteger-nos. Deixam-nos a sós, perante nós mesmos e a nossa vida, que vemos como uma montanha exclusivamente nossa. Uma espécie de Himalaia só nosso, e condenados a conviver para sempre nos seus cumes. Um Himalaia de perguntas. E nós sozinhos para lhes responder.
Jordi Nadal
in
Tão perto de ti
sexta-feira, agosto 06, 2010
# 25 Poemagem

photo by Chema Madoz
A máscara da palavra
A máscara da palavra
revela-esconde
o rosto vago
de um sentido mundo
Paraíso acidental
metódico exercício
a máscara da palavra
colou-se ao rosto:
agora é
o nosso mais vital artifício
Com a máscara da palavra
reinventamos
o som da voz amada
que nos inunda
com seu luar de espuma
Ana Hartherly,
in~
A idade da escrita
quinta-feira, julho 29, 2010
# 24 Poemagem

photo by Alexandria
Antes da palavra
hesito muito antes da palavra.
porque um precipício se abre nela
e não tem sentido, vibra apenas.
porque pode ser a morte
ou o nascimento para um lugar
de cores e fadas e barcos de sol.
porque me doem as mãos
cada vez que tento segurar
o mundo em traços redondos quadrados.
por isso te digo: hesito e morro e nasço.
e corro para a rua com a força de quem
vai anunciar gritar chamar dizer.
mas lá fora sorrio apenas
enquanto caminho para um banco
de jardim,devagarinho,
como se por um momento
eu soubesse o nome de tudo
e tudo tivesse o mesmo nome.
Vasco Gato
in
Um Mover de Mão
quinta-feira, julho 22, 2010
# 23 Poemagem

photo by DeCafe
Uma Certa Quantidade
Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade
Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião
Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá
E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar
Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro
Mário Cesariny,
in
Pena Capital
segunda-feira, julho 19, 2010
quinta-feira, julho 15, 2010
22 # Poemagem

photo byLucie & Simon
E por vezes
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
David Mourão Ferreira
quarta-feira, julho 14, 2010
21 # Poemagem

Photo by Aidan Radford
Devagar
devagar
setembro
entorna luz na planície
devagar
o vento
inventa choupos
e choupos
devagar
tornam-se rio
devagar cavalos surgem galopando
erguem brancas as cabeças
respiram verdes a claridade
E depois seguem
devagar
pelos túneis de luz
Daniel Maia-Pinto Rodrigues,
in
O Afastamento Está Ali Sentado
quinta-feira, julho 01, 2010
# 20 Poemagem

photo by Elisa Dudnikova
SEM DATA
Esta voz com que gritei às vezes
não me consola de só ter gritado às vezes.
Está dentro de mim como um remorso, ouço-a
chiar sempre que lembro a paz de segurança estulta
sob mais uma pedra tumular sem data verdadeira.
Quando acabava uma soma de silêncios,
gritava o resultado, não gritava um grito.
Esta voz, enquanto um ar de torre à beira-mar
circula entre as folhas paradas,
conduz a agonia física de recordar a ingenuidade.
Apetece-me explicar, agora, as asas dos anjos.
Jorge de Sena
in Perseguição
sábado, junho 26, 2010
# 19 Poemagem
photo by Brigitte Heinsch
»
Mas que sei eu
Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha
qualquer. Mas eu sei que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha
Ruy Belo,
in
Todos os poemas
quinta-feira, junho 17, 2010
# 19 Poemagem
segunda-feira, junho 14, 2010
quinta-feira, junho 10, 2010
Poemagem # 18
quarta-feira, junho 09, 2010
quinta-feira, junho 03, 2010
# 17 Poemagem
sexta-feira, maio 28, 2010
# 16 Poemagem

photo by Mariana Newlands
Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussuro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador
Al Berto
sexta-feira, maio 21, 2010
# 15 Poemagem
quinta-feira, maio 13, 2010
# 14 Poemagem

pergunto se posso dizer o teu nome a uma flor
flor o teu nome sussurrado pétala a pétala
letra a letra uma flor desfolhada na terra
José Luís Peixoto
In
A Criança em ruínas,2007
segunda-feira, maio 10, 2010
Até sempre
( até sempre meu querido amigo)

Photo by me
A morte chega cedo
A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.
O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.
E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.
Fernando Pessoa
quinta-feira, maio 06, 2010
# 13 Poemagem
sexta-feira, abril 30, 2010
# 12 Poemagem

photo by Tyler E. Nixon
Cada árvore é um ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
uma árvore é uma lenta reverência
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses
António Ramos Rosa
sexta-feira, abril 23, 2010
# 11 Poemagem

FOMOS MANHÃ
Fomos manhã,
fomos manhã e
despimo-nos,
vestindo-nos apenas da cor azul
Fomos manhã,
fomos manhã na natureza
perdidos num bosque
onde o negro lentamente
se deixou substituir pela cor grená
Fomos manhã,
fomos manhã e bebêmo-nos
como se fôramos àgua,
como se fôramos sumo
escorrendo-nos nos dedos,
molhando-nos a pele
Fomos faunos,
fomos verdes,
fomos de todas
as cores da manhã
Fomos manhã
e sumimo-nos…
Poema inédito de Alexandra Malheiro
( com um obrigada especial por o ter disponibilizado*)
sábado, abril 17, 2010
# 10 Poemagem
sexta-feira, abril 09, 2010
Poemagem # 9

photo by Adriana O.
O problema de ser norte
Era um verso com árvores à volta.
Tinha o problema de ser norte
e dia e tão contrário à natureza.
Era um verso sem ar livre
mas com árvores em círculo
e eu no centro, em baixo, nas escadas
de pedra, cheia de verde e de frio
e a pensar que continuo a não entender
a natureza contrária aos meus olhos.
Pois se as árvores são a única
paisagem deste verso, a toda a volta,
e eu no fundo, em baixo, nas escadas
de pedra ainda, se voltando-me, morrendo,
serão elas ainda a única paisagem deste verso,
como poderei amá-las
sem que
um
raro
silêncio ainda
me interrompa?
Filipa Leal,
in O Problema de Ser Norte,
Editores, 2008